quinta-feira, 29 de abril de 2021

1 - TEXTO: UM CONCEITO MULTIFACETADO


       Assim como definir o que é Literatura ou o que é Arte não é uma tarefa fácil, por mais que possa parecer algo simples para o senso comum, definir o que é texto também tem seu grau de complexidade. Isso porque não há um consenso que universalize o conceito de texto, pois cada área da Linguística o define a partir de sua própria percepção. Desse modo, quando propomos uma definição de texto, por mais generalista que essa definição seja, temos que considerar de qual perspectiva estamos nos valendo. Assim, pretendemos expor aqui algumas definições diferentes para esse objeto de estudo e discussões, partindo dos pressupostos teóricos da Linguística Textual e relacionando-os com outras áreas.
      Halliday e Hasan (1985), autores clássicos e basilares para o estudo da textualidade,   já diziam que o texto é um caminho para a compreensão da linguagem e não pode ser separado do seu contexto, o qual inclui aspectos que vão além da linguagem verbal. 
         Grosso modo, podemos dizer que a concepção de texto mais aceita atualmente e sobre a qual nos apoiamos é a que o compreende como um produto “multifacetado”, dentro de uma visão sociocognitiva-interacionista. Isso quer dizer que, nessa visão, ele é tido como um produto inacabado, construído plenamente apenas na interação entre sujeitos e entre estes e o meio em que se encontram, e não somente por meio dos fatores linguísticos, o que, portanto, o torna cheio de faces.            
        Como discorrem Koch e Elias (2016) no artigo “O texto na linguística textual”:

[...] o texto é uma realização que envolve sujeitos, seus objetivos e conhecimentos com propósito interacional. Considerando que esses sujeitos são situados sócio-histórica e culturalmente e que os conhecimentos que mobilizam são muitos e variados, é fácil supor que o texto 'esconde' muito mais do que revela a sua materialidade linguística (KOCH; ELIAS, 2016, p. 32). 

      Mas até que se chegasse a essa visão sociocognitiva-interacionista, o texto foi compreendido, inicialmente, como uma unidade linguística maior que a frase, que tinha, necessariamente, um começo e um fim bem delimitados e que era analisado independentemente de seu contexto de produção. Sequencialmente a essa primeira fase, os estudiosos perceberam a importância do contexto de produção textual e passaram a considerar o texto como a unidade básica da comunicação humana e como uma atividade interativa. Essa concepção, no entanto, ainda não dava conta de explicar alguns fatores na produção/recepção textual, pois se baseava em uma perspectiva textual-discursiva, limitada aos aspectos imanentemente linguísticos. Foi, então, que surgiu nos estudos do texto uma nova forma de abordagem que o encarava como um processo sociocognitivo. 
       Koch (2009) caracteriza essa fase de estudos sobre cognição dentro da LT como a virada cognitivista. A autora faz um delineamento desse período que inicia na década de 80, a partir do momento em que se tomou consciência de que a cognição influencia diretamente em toda e qualquer ação que se realiza e no processamento de informações, através de modelos mentais de operações preestabelecidos. Desse modo, o texto passou a ser visto como o “resultado de processos mentais” (KOCH, 2009, p. 21). Essa visão foi importante para se estabelecer certos modelos cognitivos de conhecimentos socioculturalmente adquiridos e para se entender que o processamento textual é motivado por esses modelos. 
      Com a evolução dos estudos acerca da cognição atrelada à linguagem, os estudiosos começaram a ter divergências quanto à definição do modelo cognitivista. A partir dessas divergências, novas teorias foram surgindo dentro dos estudos sobre cognição. Os novos questionamentos levaram a uma abordagem da cognição no sentido social, dando origem ao modelo sociocognitivista de concepção da linguagem. Dessa forma, do ponto de vista textual, os fatores externos ao indivíduo também influenciam na formação de sentidos e na interpretação de um texto, ou seja, o sentido não é produzido única e exclusivamente na superfície cognitiva individual, mas através da interação do sujeito com a sociedade.
       Partindo para outras áreas do conhecimento, percebemos que a concepção de texto tem sentidos diversos, mas complementares. Para a Análise do Discurso, por exemplo, o texto é o lugar onde se materializam os discursos. Desse modo, como afirma Orlandi (1995), ele é a unidade básica, mínima de significação. Um outro conceito que corrobora, ao tempo em que atualiza, essa concepção da Análise do Discurso - ainda que parta de uma corrente teórica diferente - é o de Xavier (2002, p. 21), que diz que  "textos são resultados de cruzamentos entre um conjunto de matrizes: linguísticas [...], tecnológicas [...] e históricas [...]". Esse autor também afirma que o texto não pode ser encarado como um produto finalizado, mas sim como um objeto que está sendo construído. Essa abertura para as tecnologias possibilita o surgimento de uma nova concepção de texto: o hipertexto. Segundo Xavier (2002), hipertexto é um espaço próprio do ambiente virtual que possibilita a construção de sentidos (assim como o texto), com o diferencial de ser exclusivamente digital. Em outras palavras, refere-se às inúmeras possibilidades que o ambiente digital tem para estabelecer conexões entre vários textos, por meio de links e outros mecanismos próprios. 
        Essa concepção só foi possível a partir do surgimento e do avanço da internet. Assim, percebemos que o texto é uma produção que acompanha os avanços tecnológicos. Se voltarmos um pouco na História, encontraremos as primeiras produções textuais, por assim dizer, representadas nas figuras rupestres, datadas ainda no período pré-histórico, muito antes da invenção da escrita. Atualmente, com a "explosão" da internet, é comum que os textos sofram constantes transformações devido ao contato com as mídias digitais. Uma dessas transformações na materialidade textual, mas que interfere também na forma, no conteúdo e, principalmente, nas possibilidades de construção de sentidos, são os chamados textos multimodais. A multimodalidade é uma teoria que extrapola o campo de estudo da LT e é assunto para um outro post. No entanto, de modo genérico, os textos multimodais "são aqueles que se utilizam de mais de um código semiótico, como, por exemplo, os que combinam o código visual e o verbal" (KRESS; VAN LEUWEEN, 1996 apud CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO, 2010, p. 65). Por mais que essa definição abranja bem mais do que o ambiente virtual, este possibilitou uma ampliação na produção e recepção dos textos multimodais, sobretudo pelo caráter dinâmico que lhes confere. 
        Com esta breve exposição feita sobre o texto, percebemos que, de fato, trata-se de um conceito "multifacetado", que extrapola os estudos e teorias linguísticas.  

Até a próxima, caro(a) leitor(a)!


Referências:

CAVALCANTE, Mônica Magalhães; CUSTÓDIO FILHO, Valdinar. Revisitando o estatuto do texto. Revista do GELNE, Piauí, v. 12, n. 2, p. 56-71, 2010.

HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Austrália: Deaking University, 1985. 

KOCH, Ingedore G. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. (Coleção linguagem).

KOCH, Ingedore G. V.; ELIAS, Vanda Maria. O texto na linguística textual. In: BATISTA, Ronaldo de Oliveira (org.). O texto e seus conceitos. São Paulo: Parábola 
Editorial, 2016.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Texto e discurso. Organon, v. 9, n. 23, 1995.

XAVIER, Antonio Carlos dos Santos. O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação digital. 2002. 214 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2002. 


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